Como enfrentar o medo da mudança

A vida é mudança, mas a mudança nos assusta. Às vezes, dá vontade de fazer coro à reflexão de Mafalda: “pare o mundo que eu quero descer.” A origem desse mal-estar está na biologia.

Nosso cérebro é o resultado de 2,5 milhões de anos de evolução. Levamos muito tempo vivendo em cavernas e pouco tempo em cidades. Isso significa que temos respostas automáticas “codificadas” para se precaver com sucesso das ameaças daquela época. Se vemos um leão solto passeando pela rua, nosso cérebro não perderá tempo tentando saber de que subespécie ele é; simplesmente nos mandará sair correndo para sermos mais rápidos – não mais do que o felino, e sim de quem está ao nosso lado e pode ser comido primeiro (também temos outra alternativa: a de ficarmos congelados, esperando que o leão não nos veja).

No entanto, esses circuitos tão maravilhosos que nos permitiram chegar até aqui como espécie não estão preparados para enfrentar ameaças mais sutis, como a digitalização, as mudanças econômicas ou a possibilidade de ficarmos sem emprego. Esses medos são novos, evolutivamente falando, e por isso nem sempre nos damos bem com a transformação.

Vamos entender o nosso processo evolutivo

Recordemos uma máxima importante: nosso cérebro foi projetado para a sobrevivência, não para a felicidade. Diante de mudanças, portanto, temos que encontrar uma forma de navegar por elas, entendê-las como oportunidades e aprender com as suas possibilidades. E isso não é automático tal como sair correndo ante uma ameaça. Exige esforço, treinamento e capacidade de superar os medos que nos afligem.

A gestão da mudança é hoje mais difícil do que nunca, mas também mais fácil do que no futuro. Por um motivo simples: a velocidade. Para se ter uma ideia da magnitude, há 10 anos tínhamos 500 milhões de aparelhos conectados à internet. Em 2020, estima-se que serão 50 bilhões; em uma década, um trilhão. Ou seja: estamos só no começo. Estamos apenas no início de um tsunami que transformará a forma como nos relacionamos, trabalhamos e vivemos. Portanto, vêm aí mais e mais mudanças.

A boa notícia é que nosso cérebro, embora provenha da época das cavernas, tem uma enorme plasticidade que lhe permitiu chegar até aqui e construir toda uma tecnologia que está revolucionando o mundo.

 

Temos uma margem de manobra para se adaptar

Vejamos como podemos começar com dicas muito simples. Primeiro, precisamos de treinos diários da nossa mente. Assim como existem academias para o corpo, devemos colocar em forma o “músculo do cérebro.” Todos os dias – todos – fazer algo diferente. Ler fontes de informações, ir ao trabalho por outro caminho, experimentar um sabor exótico… o que for. Mas aceite o desafio de fazer algo novo diariamente. A aprendizagem é o melhor antídoto contra o medo.

Segundo, precisamos relativizar o que nos acontece. Um bom método é, paradoxalmente, ler notícias. Sim, isso mesmo.  Devemos perceber que, embora vivamos no tsunami da mudança, foram justamente todos esses avanços que nos permitiram aumentar nossa esperança de vida e não sofrer por possíveis epidemias ou por guerras mundiais. Na medida em que tivermos perspectiva, poderemos entender a parte benéfica.

Terceiro, devemos buscar a “desdigitalização”. Apesar da velocidade que nos rodeia, precisamos encontrar a conexão com nós mesmos e com o próximo. Se vivermos sempre expostos aos impactos da internet, não teremos tempo para integrar a aprendizagem e encontrar os oásis necessários para uma certa tranquilidade. Por exemplo, você pode abrir mão do celular no fim de semana ou deixá-lo no modo avião.

Por último, precisamos confiar. Afinal, tudo tem solução – melhor ou pior, mas tem. Pense bem: o que nos asfixiava anos atrás, como a prova do colégio, faculdade ou um conflito de relacionamento, agora não nos parece tão complexo. E se fomos capazes de driblar situações difíceis, por que não poderemos fazer isso com o que temos agora?

Por isso, na medida em que confiarmos, mantivermos a curiosidade e a aprendizagem, soubermos relativizar e criarmos espaços de paz, poderemos encontrar recursos para contemplar a mudança de maneira mais positiva e construtiva.

Flávia Valadares – Neurocientista Fundadora da Escola PraticaMente

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